18 Fevereiro 2019
Em 29 de junho de 1952 Henri de Lubac recebia do padre Janssens, Geral da Companhia de Jesus, uma carta em que ele assumia a opinião "de muitos teólogos, conhecidos por sua ciência e sua benevolência", que consideravam que suas obras contivessem "diversos erros" reconhecidos pela encíclica Humani generis. Desde 1950, medidas severas foram tomadas contra ele. O nosso jesuíta deseja obter alguns esclarecimentos sobre tal questão e sobre os fatos, mas em vão: o padre geral - que o apoiou firmemente o início da questão do Sobrenatural, mas fez tirar de circulação o seu Corpus mysticum - sempre o evita.
O texto é de Jacques Servais, padre jesuíta e professor da Universidade Gregoriana de Roma, publicado por L'Osservatore Romano, 10 e 11-02-2018. A tradução é de Luisa Rabolini.
Constatando a iniquidade da situação, padre André Ravier, desde 1951 superior da província de Lyon, tenta ajudá-lo. Alguns coirmãos residentes em Roma, ou seja, padre René Arnou, professor na Universidade Gregoriana, padre Stanislas Lyonnet, professor do Instituto Bíblico, e padre Irénée Hausherr, professor do Instituto Oriental, encontram um pretexto para levá-lo à Cidade Eterna: uma série de aulas sobre a Igreja para jovens religiosas. Todos os três, por diferentes razões, estão ligados por um relacionamento de amizade com a famosa priora geral das Ursulinas da União Romana. É a ela que pedem para oferecer ao Padre de Lubac a oportunidade de poder ir a Roma.
E ela generosamente abre as portas do seu convento e, assim, torna possível o esperado encontro com o padre geral. A Madre Marie de Saint-Jean Martin é uma figura proeminente do Instituto que ela dirige desde 1926 e uma personalidade influente nos círculos romanos. Nos anos 1930, circulava um gracejo em Roma: "Em toda a cidade há apenas três homens: Pio XI, Mussolini e Madre Saint-Jean". Ela desejava, Padre de Lubac iria explicar mais tarde em suas Mémoire, "ser perdoada por ter-se deixado, no começo, enganar em relação a mim por alguns padres integralistas". Depois de ter-se melhor informada sobre ele, e tendo muitos conhecidos no Vaticano, Madre Saint-Jean se propõe a obter para ele uma audiência com o Santo Padre. A regra, no entanto, impede os jesuítas de dirigir-se diretamente ao Papa. Também Padre Arnou, tonando-se intérprete de seu amigo, a agradece pelo pensamento: "Ao Padre de Lubac agradaria muito, mas ele está aqui principalmente para ver nosso padre geral e ter uma longa conversa, de coração aberto, com ele. Se, após essas conversas, o Padre Geral considerar apropriado que Padre de Lubac se encontre com o Santo Padre, será mais normal que ele próprio faça o pedido."
Pouco depois, em 13 de janeiro de 1953, o Padre de Lubac confirmou pessoalmente o seu pedido: "Padre Lyonnet escreve-me que a senhora tem a intenção de me convidar para realizar algumas palestras sobre a Igreja para as suas religiosas do terceiro ano". E sem dizer que as casas romanas da Companhia estão fechadas a ele, acrescenta: "Eu ficaria muito grato se a senhora pudesse me hospedar: padre Lyonnet diz que seria mais prático".
A resposta, positiva, foi imediata e, para facilitar tais conversas, Madre Saint-Jean o convida não só para instruir suas coirmãs, mas também para atender outro velho amigo, o padre Hubert de Manoir, oferecendo-lhe o capítulo sobre Maria da Encarnação tirado de um dos numerosos volumes de sua enciclopédia Maria (1954). Será, portanto, hospedado por algumas semanas, a partir de 29 de janeiro, na casa generalícia da via Nomentana 234. Por motivos de saúde, e por ter sido atingido e prostrado pela provação sofrida, ele não consegue proferir as palestras combinadas. "Na verdade - escreverá ao seu provincial - é Padre Landais que dá as aulas, com base em minhas anotações, porque, depois de uma tentativa honesta, tive que reconhecer que não estava em condições de realizar este pequeno esforço."
"Não estou fazendo nada aqui", responde um dia para Madre Saint-Jean que se alegra com sua presença e o tranquiliza pela oração que ele modestamente lhe pediu. No dia seguinte, a superiora lhe envia uma longa mensagem, da qual os arquivos do convento preservam uma cópia junto com a correspondência e da qual citamos aqui algumas passagens: "O ato de confiante simplicidade que realizou ontem pedindo minha pobre oração chegou direto ao coração", confidencia," e me leva a superar uma timidez que eu teria mantido em silêncio até o fim, se sua humilde caridade não a tivesse inspirado. Sim, eu rezo pelo senhor, padre; oh! Com toda a alma. Soube de fonte mais que segura, desde o evento com o qual Nosso Senhor mostrou até que ponto estava certo de seu amor por Ele, como o senhor foi capaz de aceitar a provação, e quanto a sua obediência e humildade edificaram as pessoas ao seu redor, até mesmo universitários. E eu me concedi a profunda alegria de escrevê-lo ao Santo Padre, após ter pedido conselho a um ‘padre importante’ da companhia [de Jesus]”. “Todas as irmãs - acrescenta - percebem a sua presença na casa como uma graça que o bom Deus lhes concedeu.” E para concluir, pede-lhe para "abençoar esta casa e aceitar a expressão autêntica de [sua] veneração em Nosso Senhor e Nossa Senhora".
O padre Lubac responde, confuso: "Sua caridade é tão grande e tão engenhosa que sempre me surpreende com novos benefícios". "As pequenas gentilezas que o nosso querido doente absolutamente se recusa receber de nós, sua sorridente autoridade acabou impondo-a a ele com eficácia maravilhosa!", dirá algumas semanas depois o padre de Ouince, ao informa-la sobre a saúde do padre depois de seu retorno a Paris. Anteriormente, em 15 de março, Padre de Lubac ainda teve ocasião de entregar-lhe uma cópia da sua Méditation sur l'Église, obra que, engavetada por longo tempo, teve que aguardar, para ser impressa, o veredicto de uma minuciosa censura da Companhia. ("Talvez feliz dentro de si por ter sido forçado a fazê-lo" por censores muito elogiosos, como é possível ler nas Mémoire do teólogo, Padre Janseens no final não se atreveu a colocar o seu veto à publicação; "poderia ter originado um escândalo"). Principalmente está feliz por finalmente ter se encontrado, e por duas vezes, com o padre Janseens em condições que nunca teria podido esperar. “Não tentei me encontrar com muitas pessoas, mas estou muito feliz, muito confortado no Senhor, pelos meus encontros com o reverendíssimo padre geral”, escreve a ela de Paris.
“A sua caridade para comigo revelou-se não apenas criativa e infinitamente delicada: para expressar-se, exigiu também uma grande audácia de pontos de vista. Porque eu não tinha nada, longe disso, que pudesse induzi-la a me acolher assim e colocar em mim tanta confiança”. No clima de oposição à "Nova Teologia", que permeava especialmente o ensinamento seguido pelas instituições eclesiásticas romanas, eram efetivamente necessários coragem e lucidez para oferecer um apoio, embora discreto, a quem era considerado sua principal voz. Aos seus olhos, entretanto, a confiança que Madre Saint-Jean depositava nele nada mais era que um devido testemunho de gratidão.
“Não fale de necessária ‘audácia de pontos vista’ para recebê-lo", ela responde: "Não, realmente não, não foi isso. Certamente eu me expressei mal, fui desajeitada pelo respeito que sentia em sua presença, visto que Nosso Senhor quis me dar os meios para conhecer um pouco e entender a fundo a provação que Ele havia lhe preparado, porque sabia que a teria aceitado por amor a Ele. Por causa desse conhecimento, ainda que rudimentar, e desta compreensão que acredito poder definir como profunda, imediatamente fiquei-lhe grata por aceitar nossa humilde hospitalidade, e o meu apreço só foi aumentando na medida em que o senhor dignou-se a me mostrar uma confiança para a qual eu não tinha direito, e permitir-me conhecer os fatos mais a fundo. Fui muito desajeitada, padre, porque lhe mostrei tudo o que Deus colocou na minha alma em relação ao senhor; mas pelo fato que o senhor aceitou lembrar de nossa Ordem em sua oração, considero-me, aliás, nos consideramos recompensadas até demais pelo pouco que ousamos fazer para que o senhor pudesse sabê-lo. E no Céu nós remediaremos à falta de jeito demonstrada pela madre geral da União Romana das Ursulinas na presença do venerável padre Henri de Lubac".
Para este último, os anos de 1952-1953, estão entre os mais dolorosos. Ele é cercado pela censura eclesiástica. Ele mesmo escreve, ingenuamente, que o capítulo sobre Maria da Encarnação e a Santíssima Virgem, que lhe foi pedido durante sua estada em Roma, é considerado "fortemente heterodoxo".
Padre de Lubac expressa a sua perplexidade em relação a esse juízo surpreendente de Madre Marie Vianney Boschet, a arquivista que lhe forneceu uma ajuda valiosa para a sua preparação: "Senti grande embaraço, principalmente porque esta experiência, somando-se às outras, dava-me a sensação quase invencível de que qualquer outra fórmula por mim assinada provocaria recriminações semelhantes. Por isso, pensei imediatamente de deixá-la encarregada de redigir uma nova conclusão e assumir a responsabilidade pela publicação". Madre Vianney busca conselho com o Padre Hausherr sobre como responder às críticas, mas só recebe uma diretiva lapidar: "Não discuta as ideias, diga apenas que não entendeu".
Ao recordar os contratempos relacionados com aquele opúsculo, Padre de Lubac relatará, em suas Mémoire, o epílogo da questão: "Foram necessárias várias tentativas, concessões de palavras e explicações desnecessárias para sair do impasse. O revisor da obra completa, que não estava ciente, pediu-me que removesse as linhas que ele achava estranhas; tive que dizer a ele que me tinham sido impostas".
As boas relações estabelecidas com a Madre Saint-Jean não foram interrompidas ao longo dos anos. Muitas outras cartas atestam isso. Em março de 1958, Padre de Lubac teve que voltar a Roma por alguns dias, e novamente foi "bater como peregrino" à porta do generalato. O padre de Claude Mondésert desta vez serviu como intermediário (como forma de agradecimento, o nosso jesuíta redigirá com ele outro opúsculo para as Ursulinas: L'esprit de Sainte Angèle).
A "hospitalidade muito caridosa" mais uma vez recebida no convento permanecerá gravada em sua memória. Se aqueles dias foram para ele "como um oásis, muito reconfortante", é também porque marcaram um ponto de virada na sua vida. "Depois da minha estada em Roma, talvez por efeito de sua oração, chegou a mim, indiretamente, o encorajamento paternal do Santo Padre, e estou feliz por poder lhe dizer isso." Madre Saint-Jean, próxima de Pio XII, efetivamente contribuiu, com o que ele define de "coragem intrépida", para a mudança de atitude em relação ao Padre de Lubac a partir dos anos 1960?
A história provavelmente não nos dirá. O fato é que essa mulher extraordinária foi capaz de discernir no jesuíta não apenas a santidade de uma vida inteiramente dedicada ao Evangelho, mas também a correção de suas intuições teológicas e espirituais. Como lembrança de suas intervenções eficazes, ao reparo dos olhares, é justo dar testemunho, como faz este último, a um "coração cheio de caridade, de misericórdia para aqueles que sofrem, e de amor pela Santa Igreja".
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Henri de Lubac e a "famosa Mère Saint-Jean". À insígnia de uma caridade criativa e delicada - Instituto Humanitas Unisinos - IHU